segunda-feira, 19 de março de 2007

BOCA DO CEU 15

Ano V Jan/fev/mar–2005

O PAÍS VAI BEM, O POVO BRASILEIRO AINDA NÃO.

FREI BETO


Dizia minha avó, em ânsias casadoiras, à filha solteirona: “Fulano é um bom partido.” Herdeiro de boa fortuna. Hoje, o princípio do verbo partir, substantivado, serve para designar agremiações políticas. Todas elas literalmente partidas: em tendências, facções, siglas e grupos regionalistas.
Conheci o PT ainda como proposta na cabeça do Lula. Por que trabalhador votar em patrão, e não em trabalhador? _ acendeu-lhe eureca à 15 de julho de 1979, ao participar de encontro sindical em Salvador, enquanto em São Bernardo do campo Marisa dava à luz o filho Sandro.
A proposta ganhou corpo e adeptos no meio sindical, nas Comunidades Eclesiais de Base, nos movimentos populares, na esquerda sobrevivente ao terror da repressão, entre intelectuais como Hélio Pedrosa, Sérgio Buarque de Hollanda, Antônio Cândido e Hélio Pellegrino.
Fiquei fora. Sou afeito a consensos e avesso a disputas. Nunca me filiei. Mas da trincheira do movimento social torci pelo PT. Vi dona Maria Clara, na periferia de Vila Velha, fazer da sala apertada de seu casebre sede do Núcleo do partido. Vi Bacuri, hanseniano, reunir no Acre enfermos de uma colônia para debater o programa do PT. Vi agricultores do sertão paraibano pintarem imensa estrela vermelha na parede de um galpão.
Conheci o PT do trabalho de base, da formação política, das rifas para coletar fundos, dos livros de ouro, da venda de broches e adesivos, das festas beneficentes. O PT da militância voluntária, das campanhas eleitorais aguerridas, do sonho socialista, do orgulho de ser de esquerda. O PT da hegemonia proletária na direção, dos critérios éticos nas alianças políticas, da transparência no trato do dinheiro. PT das greves do ABC, da campanha das Diretas-Já, do “fora Collor”, da luta por reforma agrária e contra o pagamento da dívida externa. PT do Fórum de São Paulo, da solidariedade à revolução cubana, à Nicarágua sandinista, à causa palestina, aos que lutavam contra o aparthid na África do Sul e clamavam pela libertação de Nelson Mandela.
Aos 25 anos, o PT poderia se gabar de comemorar bodas de sangue, tantos os mártires de sua história: Chico Mendes, Raimundo Ferreira Lima, Wilson Pinheiro, Santo Dias, Margarida Alves, Dorcelina Folador...
Todos assassinados por coerência aos ideais do partido. De gota a gota de sangue, de porta em porta, de luta em luta, de voto em voto, o PT ampliou a sua força política, elegendo vereadores, deputados, prefeitos, senadores e governadores. Até que em 2002, na quarta tentativa, fez de Lula presidente da Republica.
Hoje é um partido repartido. O futuro se fez presente e, para uns, não era o que se esperava: o abandono do projeto socialista, o pudor de situar-se à esquerda, a política econômica neoliberal, o atraso na reforma agrária, a liberação dos transgênicos, o permanente adiamento da demarcação da reserva indígena Raposo/Serra do Sol, em Roraima.
Para outros, o PT governa com realismo e pragmatismo. Não faz o desejável, mas o possível. Implementa uma política externa ousada, promove a reforma universitária, estende o credito à população de baixa renda, preserva o meio ambiente, defende a Amazônia, combate a fome e a corrupção, distribui renda a 6,5 milhões de famílias que viviam na miséria. E brilha na macroeconomia: estabilidade monetária, controle da inflação, queda do risco Brasil, crescimento da industria e das exportações, êxito do agronegócio, aumento das reservas do país e do emprego formal.
O Brasil é a terra dos paradoxos. O mundo se divide em mais de 200 nações e o nosso país sempre figurou entre os mais ricos. No entanto, é o primeiro em desigualdade social. Segundo o FMI, os 10% mais ricos da população possuem 44% da renda nacional; os 10% mais pobres dividem 1% da renda.
No andar de cima, jamais faltou mesa farta. No de baixo, a sofrida labuta pelo pão nosso de cada dia. Será que a fartura do agronegócio, da indústria automobilística, do preço exorbitante do aço, do lucro astronômico dos bancos, do robusto caixa do BNDS, haverão de se refletir no aumento do poder aquisitivo e da qualidade de vida dos mais pobres?
O s mais ricos deixarão de ganhar tanto para que haja menos miséria?
O dilema do PT é, hoje, o de Hamelet: ser ou não ser _ um partido disposto a ganhar eleições ou a construir um projeto histórico para o Brasil? As duas coisas, dirão alguns. Numa sociedade objetivamente tão conflitiva, o preço pago pelo êxito eleitoral, à base de consenso e alianças partidárias sem critérios (vide o efeito Severino), pode equivaler ao de um resgate sem libertação da vítima do sequestro. No caso, a esperança depositada no governo Lula.
O Brasil vai bem, o povo brasileiro ainda não. A economia é forte, a política e fútil, o direito social frágil. Lula tem ainda pela frente dois anos para atrelar suas prioridades sociais ao ideário político que ele representa e que deve se impor como senhor, e não servo, dessa macroeconomia que hoje beneficia o país em detrimento da nação.
FREI BETO é escritor e foi assessor especial da Presidência da República.

UM SONHO DE 26 ANOS.

Rui Oliveira Machado
Em 1979, em plena ditadura militar, foi fundada em Brasília/DF a CEUBRAS (Casa dos Estudantes de Uibaí em Brasília). Um sonho que realizou-se em parte, visto que a meta era uma casa onde os filhos de Uibaí pudessem buscar uma formação superior com as mínimas condições de sobrevivência e, de preferência, apoiada pelo poder público municipal. A Casa, nesses 26 anos de sobrevivência, formou mais de cem filhos de Uibaí em nível superior sem nenhuma ajuda do poder público municipal. Pelo contrário: as vezes havia intenções deliberadas de interferir nos trabalhos realizados pelos seus residentes. Trabalhos estes direcionados para uma melhoria nas condições de vida dos nossos conterrâneos. Os estudantes da CEUBRAS, em sua grande maioria, conseguiram formação em curso superior trabalhando oito horas por dia e estudando a noite para poder sobreviver e, ao mesmo tempo, ajudar suas famílias que se encontravam no interior. Até hoje, 26 anos depois, não houve um administrador municipal que tivesse a sensibilidade de visualizar a importância dessa instituição para a formação de cidadãos. Entra prefeito, sai prefeito. Entra vereador, sai vereador. E a educação sempre relegada. Quem pode bancar os estudos dos filhos, em sua grande maioria com o dinheiro público, banca. O povão que se dane. Mas como dizia Euclídes da Cunha, “O nordestino é antes de tudo um forte”. O sonho ainda não acabou. Foi aprovado pela Câmara de vereadores, depois de muita luta e empenho dos estudantes, um projeto que trata especificamente dessas instituições, que se sancionado pelo prefeito; realizará o sonho de muitos que passaram e que vão passar por essas Casas. Parabéns as Casas de estudantes e em particular a CEUBRAS, pelos seus 26 anos.
ruipe@ig.com.br

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